domingo, 26 de setembro de 2010

Sempre gostei de casas antigas.
Gosto das escadas de madeira, íngremes e estreitas, que rangem a cada passo, cansadas do peso que suportam há anos; das paredes enegrecidas; dos soalhos de madeira, cujos tacos se vão soltando, levantando lentamente, com o passar dos anos, talvez revoltados por há tanto tempo estarem no mesmo lugar…
Concordo que não será um quadro “agradável” o que descrevo mas, para mim, há qualquer coisa de fascinante nestes edifícios… Talvez o pressentimento do tanto que eles poderiam contar se, porventura, falassem; dos tantos rostos desconhecidos que viveram entre aquelas paredes…
Na minha infância, conheci uma casa assim: antiga, antiga…
Até as vigas do tecto pareciam vergadas pelo peso da idade.
Lembro-me que era uma casa grande, com dois pisos e que os vários lanços de escadas que por lá grassavam (mais do que seria necessário, sempre me pareceu) eram enormes, estreitos, de uma madeira muito escura, que rangia a cada passo, como se estivesse pronta a ceder a qualquer momento.
O chão, esse, já não era liso (na verdade, desconfio que alguma vez tivesse sido): elevava-se um pouco num ponto, para pouco depois se afundar e, mais à frente, voltar a subir. Lembro-me de, na minha inocência, pensar que o mar havia de passar por baixo daquele chão e que, por isso, ele era assim: eram as ondas…
As portas estavam sempre todas abertas e por isso, em dias de nortada, o vento parecia correr livre pela casa… Imagino como devia uivar em noites de tempestade…
Tantas vezes passei por lá, em fins de tarde escaldantes, depois de dias inteiros na praia, que me parece quase absurdo não me recordar das pessoas que lá moravam. Era uma casa cheia; isso sei. E tinha mais crianças; até mais novas que eu. Mas, delas, não guardo qualquer memória. Lembro-me, apenas, de um homem: alto, magríssimo, mas de aparência forte; a pele queimada do sol e encarquilhada dos anos. Nos braços, quase sempre nus, ainda se viam as tatuagens, já um pouco esbatidas, que sempre vemos em todos os pescadores. Nunca perguntei a ninguém mas sempre soube que era isso que ele era: pescador. Era ou…tinha sido porque, então, já não saía de casa, daquela poltrona de couro avermelhado onde sempre o encontrava, com a cabeça ligeiramente inclinada e os olhos pensativos, sob uma boina que nunca tirava e um cigarro, perigosamente descaído nos dedos longos e amarelecidos do tabaco.
Olhava-me quando eu chegava, alegremente correndo sobre as “ondas” do soalho, e eu parava, quando aqueles olhos brilhantes e negros como carvão me fitavam por momentos. Nunca sorriu e, que me lembre, nunca me falou. Acho que me olhava apenas porque eu lhe cheirava a mar e a salitre, depois do último banho na praia.
Sei que um dia lhe ouvi a voz, e achei-a áspera como lixa…
Um dia, morreu.
Nunca mais lá voltei.
Sei que as paredes continuarão escuras, que os degraus ainda hão-de ranger por muitos e muitos anos e que, provavelmente, as portas continuam abertas, deixando o vento norte passear-se pela casa…
Mas a poltrona, essa, está vazia.

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